INCENSO FOSSE MÚSICA isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além
Paulo Leminski
Toda Poesia
Mas o que
fazemos mesmo?
É bem verdade que de uns anos pra cá, muito em função da pandemia, a palavra da terapia foi bastante disseminada por aí. Mas por mais popular que esteja hoje em dia, terapia, ou psicoterapia, é uma palavrinha de difícil definição e conceitualização.
Em termos gerais, podemos defini-la como um tratamento colaborativo entre um psicólogo e uma pessoa, casal ou família, a partir de um contexto clínico, onde o psicólogo propicia um ambiente de apoio e acolhimento, isento de julgamentos, possibilitando que a pessoa se sinta confortável em falar abertamente. A psicoterapia é sustentada por um campo de conhecimentos teóricos e técnicos embasados cientificamente, tendo como objetivo a promoção da saúde mental e que viabiliza condições para o enfrentamento de conflitos ou transtornos psicológicos (APA, 2023, Resolução CFP 13/2022).
Em nossas idas e vindas, desde a época da faculdade, já aprendemos e circulamos por diversas teorias psicológicas convergentes e divergentes no campo da psicoterapia (ex.: psicanálise, abordagem sistêmica/familiar, terapia cognitivo-comportamental, abordagem centrada na pessoa, esquizoanálise, etc.). Mas não é necessariamente a identificação com uma abordagem específica que nos une enquanto coletivo de psicólogos clínicos.
E se não é a linha teórica,
o que para nós faz diferença em uma psicoterapia?
O vínculo. O encontro. A ética que se estabelece nessa relação.
O vínculo é, em si, também o próprio tratamento. A técnica, na verdade, é a forma com que trabalhamos, escutamos e nos comunicamos com nossos pacientes. Mas é o vínculo que possibilita qualquer tipo de técnica e abordagem. A psicoterapia, antes de uma intervenção, é uma relação estabelecida com um outro. E isso não é pouca coisa não. A Associação de Psicologia Americana (APA) após diversos estudos, estabelece que a relação terapêutica não somente impacta, mas possivelmente causa a melhora. Sem a relação, a terapia é só um apanhado de técnicas. Este outro precisa se sentir conectado com seu psicoterapeuta, confortável na sua presença. A terapia precisa ser um lugar seguro. Essa relação e atmosfera que buscamos no espaço da psicoterapia, temos nomeado, entre nós, como a ética do cuidado. Ela é o principal ponto em comum em nosso trabalho como psicoterapeutas.
O que seria a
ética do cuidado?
É olhar para a pessoa como um todo, com suas questões e diagnósticos, mas para além deles, com sua história, suas relações, seus desejos e necessidades específicas. Para ouvir um outro em profundidade, portanto, há que se renunciar à urgência de livrar o outro do sintoma: a pessoa não é um robô quebrado cujo sintoma precisa ser corrigido. O sintoma é, antes de tudo, uma consequência de um sofrimento mais profundo, que possivelmente se arrasta há muito tempo, sem o devido olhar e cuidado. O mundo lá fora [do consultório] já vê a pessoa como alguém quebrado que precisa ser consertado; muitas vezes não importa como a pessoa esteja, o importante é estar minimamente bem para seguir produzindo. Fazer psicoterapia precisa se posicionar na contramão dessa faixa: é um momento de descer do trem veloz do mundo lá fora para olharmos com cuidado, sem pressa, e dar voz ao que está dentro do outro.
Nós não trabalhamos com resolução rápida de problemas. Nós trabalhamos com pessoas, na escuta ativa e cuidadosa de suas histórias. Nós não temos receitas prontas. Nós acolhemos individualmente cada uma dessas histórias, levando em consideração suas experiências, contextos, aspectos culturais, sociais, biológicos, tornando impossível uma receita pronta para lidar com psicopatologias ou enfrentamentos de problemas. Por mais que as demandas possam ser parecidas, o porquê/como cada pessoa chegou lá e os recursos que fazem sentido para ela desenvolver, podem ser completamente diferentes. Nós trabalhamos com a potencialidade das individualidades, da autenticidade, do que é único, inédito em cada um.
Referências e inspirações bibliográficas
American Psychological Association – APA (2023). Psychology topics: Psychotherapy.
Adapted from the APA Dictionary of Psychology.
Retrivied from: https://www.apa.org/topics/psychotherapy
American Psychological Association (APA) (2012). Recognition of Psychotherapy Effectiveness. Retrivied from: https://www.apa.org/about/policy/resolution-psychotherapy
Conselho Federal de Psicologia – CFP (2022). Resolução Nº 13, de 15 de junho de 2022. Dispõe sobre diretrizes e deveres para o exercício da psicoterapia por psicóloga e por psicólogo. Brasília, DF.
Instituto Antônio Houaiss (2009). Dicionário Houaiss Online.
Disponível em: https://houaiss.uol.com.br/
Fundação Oswaldo Cruz - FioCruz (2009). Dicionário da Educação Profissional em Saúde.
Parabéns pela profundidade e especialmente pela delicadeza e generosidade no olhar o outro, acolhendo o sofrimento e apostando nas potencialidades de cada um. O mundo precisa muito de espaços de encontro. Vocês com certeza serão esse espaço.